As estruturas familiares estão se transformando radicalmente no Brasil. Em meio a divórcios, recasamentos e a convivência entre filhos de diferentes uniões, esse novo retrato social exige uma reflexão sobre como gerenciar os vínculos emocionais, os papéis e os afetos. Afinal, como encontrar o equilíbrio quando o passado e o presente se entrelaçam em uma mesma narrativa?
Para a psicóloga Dra. Cristiane Pertusi, presidente da Abratef (Associação Brasileira de Terapia Familiar), essas transformações pedem um novo entendimento de "família". "O modelo tradicional já não comporta a realidade atual. É comum hoje termos famílias onde o ex-parceiro participa ativamente da vida dos filhos, junto a um novo cônjuge. Esse arranjo, por mais saudável que possa ser, requer maturidade emocional, diálogo e limites claros", ressalta.
Qual é o peso da responsabilidade pela harmonia familiar?
No consultório, Dra. Cristiane Pertusi percebe que as tensões surgem não só por conflitos, mas por expectativas silenciosas. O novo parceiro pode sentir-se excluído, enquanto o ex-cônjuge pode reagir com ciúme, até mesmo de forma inconsciente. Os filhos, que vivem entre dois lares, assumem o papel de mediadores, o que pode gerar culpa e ansiedade.
O maior perigo está em transformar a convivência em uma disputa afetiva. "Quando os adultos não lidam com o luto do relacionamento anterior, misturam os limites do que é conjugal e parental. A criança, percebendo a tensão, sente-se responsável por manter a harmonia familiar", explica a especialista.
Como estabelecer cooperação e limites claros?
A chave está em entender que a função parental continua após o termino do casamento. "Separar-se conjugalmente não significa se separar dos filhos. O desafio é cooperar sem competir. Estabelecer uma relação funcional com o ex-parceiro é possível quando há clareza de quem decide o quê, como se comunicam e quais assuntos são responsabilidade dos pais", destaca.
Além disso, o diálogo precisa ser objetivo. "O problema não é o novo parceiro fazer parte das decisões familiares, mas quando falta acordos prévios. Sem isso, abre-se espaço para mal-entendidos e ressentimentos. Portanto, é crucial que o novo casal converse sobre os limites, e o ex-casal mantenha uma comunicação respeitosa", aconselha.
Como reorganizar o afeto e fortalecer vínculos?
Reorganizar o afeto é essencial ao construir uma nova família. "O novo parceiro pode trazer suas inseguranças e o ex pode ter dificuldade de ceder espaço. Porém, a convivência saudável é possível com empatia - entender que todos estão se ajustando a essa nova realidade", explica a presidente da Abratef.
Os filhos necessitam de segurança emocional, fornecida quando os adultos controlam suas próprias emoções. "Eles não precisam ver amor entre os ex-parceiros, mas respeito. O vínculo parental é permanente, e a melhor oferta para o filho é a estabilidade emocional dos adultos", afirma.
O novo retrato das famílias brasileiras
Estatísticas do IBGE revelam uma queda de 3% nos casamentos e um aumento de 4,9% nos divórcios em 2023. Esses dados evidenciam que a ideia de família está em constante evolução no Brasil.
Para Dra. Cristiane Pertusi, esse cenário é uma chance para romper com o peso moral das novas composições familiares. "Devemos enxergá-las como tentativas legítimas de continuar a conviver e educar dentro do que a vida permite. A qualidade da relação, não a origem do vínculo, define uma família", afirma.
Como lidar com a convivência familiar em novas configurações?
Dra. Cristiane Pertusi apresenta dicas para ajustar-se a essas novas configurações familiares:
- Defina papéis com clareza: dialogue abertamente sobre as responsabilidades de cada adulto e evite cruzamentos de papéis;
- Evite falar sobre o ex diante dos filhos: o discurso adulto influencia a perceção das crianças sobre o outro genitor;
- Respeite o tempo de adaptação: cada um tem seu ritmo para sentir-se parte da nova dinâmica familiar;
- Valorize os momentos de convivência sem competição: a convivência deve ser colaborativa, não comparativa;
- Considere ajuda profissional se os conflitos persistirem: a terapia familiar pode ajudar a ajustar papéis e reduzir tensões emocionais.
"A família contemporânea é plural, e a afetividade deve guiar as relações, não o controle. Lares saudáveis são sustentados pelo diálogo e a empatia, não pela imposição. O vínculo é o que verdadeiramente une uma família", conclui a especialista.
Por Juliana Macedo
Redação EdiCase