Nos últimos tempos, o Rio de Janeiro tem sido palco de uma complexa mistura de operações policiais e discursos políticos. No centro dessa trama está o "Consórcio da Paz", lançado recentemente por governadores próximos ao governador Cláudio Castro. Esta iniciativa, cujo nome já suscita debates acalorados, visa integrar esforços contra o crime organizado em nosso país. Mas será que esse consórcio tem nome apropriado?
Não faltam críticas ao título escolhido. O sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), não poupa palavras: "Os governadores erraram no nome. Deveria se chamar Consórcio da Morte". Segundo Cano, usar a palavra "paz" em meio a uma operação que resultou em 121 mortes parece ironizar a tragédia. Essa estratégia discursiva está recebendo atenção e crítica de especialistas em segurança pública.
O que realmente está em jogo com o termo "narcoterrorismo"?
Em meio a discursos inflamados, alguns governadores, como Tarcísio de Freitas de São Paulo e Romeu Zema de Minas Gerais, adotaram a controversa expressão "narcoterrorismo" para rotular facções criminosas. Mas será que esse termo faz sentido? Segundo a antropóloga Jacqueline Muniz da UFF, trata-se de uma simplificação perigosa que mascara problemas mais profundos de gestão e estratégia na segurança pública.
Ignacio Cano complementa: "Terrorismo normalmente está ligado a objetivos políticos. O termo ‘narcoterrorismo’ não faz sentido porque foge desse conceito." Imersos em um cenário onde a lei brasileira define claramente o que é terrorismo, a ampliação desse termo pode levar a decisões equivocadas e à justificativa de ações não transparentes das autoridades.
Como a pressão internacional influencia os discursos nacionais?
Vozes internacionais também ecoam nesse debate sobre segurança. Países como a Argentina e o Paraguai já rotularam o PCC e o Comando Vermelho como terroristas, e há uma pressão para que o Brasil siga o mesmo caminho. Mas quais são os riscos de acatar esse conselho? Especialistas alertam que isso pode intensificar interferências externas e fragilizar nossa democracia.
"Uma forma de os Estados Unidos intervirem de forma mais efetiva é justamente apelar para a questão do terrorismo", comenta Jonas Pacheco, pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança. Essa intervenção pode gerar desdobramentos indesejáveis para nossa soberania.
Estamos em uma "guerra" contra o crime?
Nossa política de segurança pública frequentemente recorre ao termo "guerra", mas o que essa narrativa implica? Especialistas como Jonas Pacheco denunciam os riscos de militarizar o discurso da segurança. Quando falamos de "guerra", validamos ações que podem desumanizar vastas áreas e populações.
"Quando você pauta o debate na ideia de guerra, você valida ações que barbarizam todo um território", diz Pacheco, que questiona quem realmente é o alvo dessa "guerra". Para ele, isso suaviza o impacto de ações que deveriam ser centradas em preservar vidas.
O discurso de "guerra" e "narcoterrorismo" não só altera a percepção pública, mas também arrisca ampliar autoritarismos e reduzir garantias legais fundamentais. Para uma segurança pública efetiva, precisamos reavaliar não só estratégias, mas também as palavras que usamos para descrever nossa realidade social.
Com informações da Agência Brasil