Os 61 socos desferidos contra Juliana Garcia, em Natal (RN), no sábado passado, chocaram o Brasil. Capturada por uma câmera no elevador do prédio, a brutalidade do ataque não apenas expôs a violência específica, mas também refletiu uma problemática maior: a escalada da violência contra a mulher no país. O agressor, Igor Cabral, então namorado de Juliana, foi preso em flagrante, amplificando a discussão sobre a frequente impunidade e os nuances que cercam a violência doméstica no Brasil.
O que torna esse crime particularmente emblemático é a brutalidade direta e simbólica envolvida nos repetidos golpes no rosto da vítima, enquanto ela estava indefesa no chão do elevador. Especialistas notam um simbolismo profundo nesse ato, enraizado em uma cultura machista. "Agressores normalmente atacam o feminino do corpo humano, como rosto, seios e ventre, como um recado de que aquele corpo pertence a eles", esclarece Valéria Scarance, promotora de Justiça do MP-SP.
Por que o Brasil continua a ter altas taxas de feminicídio?
Cerca de quatro mulheres são mortas por dia no Brasil, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2024, foram registrados 1.492 casos de feminicídio, o número mais alto desde o início da série histórica em 2015. A maior parte dessas vítimas era composta por mulheres negras entre 18 e 44 anos, e, em 64,3% dos casos, os crimes ocorreram dentro de casa, frequentemente perpetrados por parceiros ou ex-parceiros.
Os casos de tentativa de feminicídio subiram também, com 3.870 casos reportados no último ano. As cifras crescentes colocam em evidência a contínua batalha contra a violência doméstica e a necessidade de uma resposta mais eficaz e abrangente, além de questionarem se as políticas atuais realmente funcionam na prática.
Como a sociedade pode combater esse ciclo de violência?
A promotora Valéria Scarance aponta que as verdadeiras mudanças começaram com a Lei Maria da Penha, que deslocou a violência contra mulheres do âmbito privado para o público. “Antes, uma 'briga de casal' era frequentemente ignorada, mas agora a sociedade está mais vigilante e disposta a intervir”, afirma.
Contudo, ela destaca que, mesmo com uma legislação reconhecida internacionalmente, discursos misóginos em ascensão estão contra-atacando os avanços. "Há um backlash, uma retaliação alimentada por uma sociedade ainda extremamente machista", analisa Analba Brazão, educadora do SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia.
O que as estatísticas revelam sobre a segurança de mulheres?
Um dado alarmante é que ao menos 121 mulheres foram assassinadas em 2023 e 2024 enquanto estavam sob medidas protetivas de urgência ativa. Isso revela a fragilidade das políticas de proteção vigentes e a necessidade urgente de ações mais eficazes.
Télia Negrão, pesquisadora da UFRGS, reforça: mudanças culturais são essenciais. "Apesar dos julgamentos que aumentam as punições devido aos agravantes, não vemos redução nos feminicídios ou na violência; precisamos de uma transformação cultural".
Onde e como denunciar violência contra a mulher?
Denunciar é crucial. Se você ou alguém que você conhece está sofrendo violência, a Central de Atendimento à Mulher, Ligue 180, é um recurso disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana. O serviço é acessível e gratuito em todo o país, fornecendo orientação sobre leis, direitos e serviços da rede de atendimento.
Além disso, o Ligue 180 facilita o registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes. Há também a opção de relatório via WhatsApp pelo número (61) 9610-0180. Para emergências, a Polícia Militar pode ser acionada pelo número 190.
Outra via é o contato com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pelo WhatsApp (61) 99656-5008, disponível 24 horas por dia.
Com informações da Agência Brasil