O mais recente Anuário de Segurança Pública, divulgado no mês passado, trouxe à tona uma triste realidade sobre a violência doméstica no Brasil. Enquanto os números de crimes contra mulheres não param de crescer, o país ostenta uma legislação considerada exemplar para prevenir tais violações, a Lei Maria da Penha, que completou 19 anos recentemente. Ainda assim, a difícil tarefa de tirar a lei do papel é um desafio contínuo que exige uma análise mais profunda.
Embora a lei traga consigo robustos mecanismos de proteção, ela esbarra em desafios diários de implementação real. Dados alarmantes do anuário mostram que são registrados, em média, quatro feminicídios por dia, e mais de 10 tentativas de assassinato. O agressor, em 80% dos casos, era alguém próximo à vítima — companheiro ou ex-parceiro. Esses números evidenciam a necessidade de uma ação mais integrada e eficaz por parte do poder público.
Por que as medidas protetivas falham em proteger?
Isabella Matosinhos, pesquisadora em direito e sociologia do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, levanta uma questão crucial sobre a eficácia das medidas protetivas garantidas pela Lei Maria da Penha. Apesar de serem instrumentos potencialmente salvadores, a realidade mostra que muitas vezes elas não conseguem prevenir situações de violência.
“As políticas públicas precisam passar a olhar para os casos em que ela é infringida, em que não dá conta de prevenir uma situação de violência e proteger uma mulher. Esse é o desafio: olhar para os casos em que a medida protetiva é ineficaz.”
No ano passado, das 555 mil medidas protetivas concedidas, pelo menos 101.656 foram desrespeitadas. Isso ressalta a dificuldade existente em fazer valer proteções legais que deveriam garantir a segurança das mulheres. Ainda há obstáculos, como a subnotificação de descumprimentos e mortes que ocorrem sob vigência de medidas protetivas.
Como garantir uma atuação integrada?
A integração entre os serviços e a implementação correta da lei são caminhos para efetividade no combate à violência doméstica. A professora Amanda Lagreca, da UFMG, destaca a importância de um atendimento em rede que integre assistência social, polícia e justiça criminal.
“Isso importa porque as instituições devem implementar de fato essa lei. O poder público precisa pensar como a assistência social, a polícia e o próprio sistema de justiça criminal estão implementando a legislação.”
Essa estratégia poderia funcionar melhor em capitais, mas no interior as dificuldades são ainda maiores, necessitando de investimentos para sustentar essa rede de proteção.
Qual a importância da mudança de consciência e educação?
Um dos aspectos fundamentais da Lei Maria da Penha é o seu caráter educativo, promovendo a participação do agressor em grupos reflexivos e ensinando as novas gerações sobre a intolerância à violência contra a mulher.
“É algo muito importante no sentido educativo. Mas a gente também tem visto uma tendência na legislação de ‘enfrentar’ o problema com aumento das penas. No entanto, a gente precisa avançar mais em políticas públicas”, pondera Amanda Lagreca.
Ela ressalta a importância de trazer esse tema para dentro das escolas e espaços educativos, para que, a longo prazo, haja uma mudança cultural ampla, capaz de reduzir a violência de gênero.
Como solicitar ajuda em caso de violência?
Para solicitar a medida protetiva, é necessário que haja um histórico de violência reportado. As pesquisadoras apontam que a lei chegou em um momento crucial da evolução dos direitos das mulheres no Brasil e continua sendo uma ferramenta vital no combate à violência de gênero. No entanto, a implementação eficaz da legislação permanece sendo um dos desafios mais significativos.
“Esse agravamento da violência de gênero é o grande gargalo da democracia brasileira, no que diz respeito às mulheres. Elas morrem por serem mulheres. A utilização da Lei Maria da Penha continuará sendo um instrumento de combate”, conclui Amanda.
Com informações da Agência Brasil