Em tempos de conflito, a importância de utilizar as palavras certas para descrever situações de crise torna-se vital. No epicentro dessa discussão, o historiador israelense antissionista Ilan Pappe trouxe sua perspectiva sobre a situação na Faixa de Gaza. Durante o evento Da Limpeza Étnica ao Genocídio na Palestina, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), ele defendeu que o que está acontecendo é, de fato, genocídio, colonização, limpeza étnica e apartheid.
Mas por que a escolha das palavras importa tanto nesse contexto? Pappe argumenta que reconhecer os atos do estado de Israel como genocídio é essencial para abordar o problema com seriedade. Ele afirma que essa "linguagem correta" é crucial não apenas para entender os eventos atuais, mas também para reavaliar a narrativa dos últimos 140 anos.
Qual é a narrativa predominante sobre os eventos na Palestina?
Pappe levanta uma forte crítica aos meios de comunicação, instituições políticas e acadêmicas, além de lideranças que, segundo ele, têm perpetuado uma narrativa imprecisa sobre os acontecimentos na Palestina. Essa abordagem, ele alerta, atende ao projeto sionista e mascara ações contra a população palestina, concedendo uma espécie de imunidade ao estado israelense.
Como a história da Palestina é ensinada nas universidades do Hemisfério Norte?
O historiador destaca uma lacuna significativa no ensino sobre o sionismo e a resistência palestina nas universidades do Norte Global. "Quase não há universidade no Norte Global que ensine sionismo como um projeto de colonização e as resistências como um movimento anticolonial", ressalta Pappe. Ele observa que as instituições europeias têm tratado Israel como parte integrante de seu próprio corpo político, o que, na visão dele, limita as esperanças de que medidas sejam tomadas contra as ações israelenses.
Estudos podem mudar o cenário? Qual o papel da academia?
Para Pappe, entender a fundo as ideologias por trás das políticas israelenses é fundamental. "Limpeza étnica é mais do que uma política, é uma ideologia. E, se a gente não estudar, não analisar a conexão entre a ideologia sionista e o genocídio, nunca vamos conseguir impedir as ações do estado israelense contra a população palestina," afirma.
Como a linguagem pode influenciar a narrativa histórica?
Pappe sublinha que, historicamente, o projeto sionista foi descrito de forma inadequada, ocultando seus verdadeiros objetivos de colonização. Os palestinos foram muitas vezes chamados de 'nômades', uma descrição que ignora seu status como vítimas de uma limpeza étnica.
"A gente tinha esperança de que as cenas [divulgadas] de Gaza, que o horror [divulgado], que cenas tão explícitas, seriam suficientes para mudar a linguagem de como é tratada essa dinâmica, esses atos criminosos.”
Qual é o impacto nas vozes dissidentes nas universidades?
Apesar das dificuldades enfrentadas, como ameaças e rótulos de apoio ao terrorismo, Pappe reforça que há uma resistência emergente. Acadêmicos e a sociedade civil em algumas partes do mundo estão começando a compreender a situação de forma diferente. "Me dá muita esperança e encorajamento que, em uma universidade de São Paulo, nós podemos usar a linguagem correta para nos referir à Palestina," ele menciona, destacando a fragilidade e a importância desse avanço.
No evento, vozes de todo o mundo se uniram para denunciar a colonização sionista, a limpeza étnica, o apartheid, e o genocídio em Gaza. Entre os participantes estavam destacadas personalidades como Arlene Clemesha, Francisco Rezek, Paulo Casella, Paulo Sérgio Pinheiro, Soraya Misleh, Júlia Wong e Maira Pinheiro, todos lutando por uma compreensão mais justa e precisa dos eventos que ocorrem na região.
Com informações da Agência Brasil